Liberdade de Informação: e o direito que os cidadãos têm de ser informado de tudo que se relaciona com a vida do Estado, e que, por conseguinte é de seu peculiar interesse. Esse direito de informação faz parte da essência da democracia. Integra-o a liberdade de imprensa e o direito de ser informado. Artigo 5º inciso XXXIII, da Constituição Federal. Prof. Franscisco Bruno Neto.

20 de março de 2011

O crente e o cárcere: Estudo sociológico sobre evangélicos em prisões gaúchas

Trasncrevo parte da conclusão do trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – RS pelo mestrando Jaime Luis Kronbauer.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Mariano
 
JAIME LUIS KRONBAUER

Conclusão, pg. 102

Há muito tempo, as instituições penais brasileiras apresentam sérios problemas estruturais, que vão da precariedade das instalações à superlotação, do desrespeito sistemático aos direitos humanos à ausência de programas de ressocialização. O Estado tão-somente cumpre o papel de manter o preso sob custódia, mas sob condições muitas vezes desumanas.

Tal situação gera uma dinâmica própria de convivência. Todo apenado que chega às prisões brasileiras se depara com um quadro, em geral, degradante e até mesmo aterrorizante. Sua integridade física e sua sobrevivência dependem de sua capacidade de adaptação a tal ambiente. Não lhe resta outra opção. Vê-se forçado a constituir uma espécie de nova identidade, sendo despojado dos papéis que representava fora da prisão, como afirma Goffman, para ter de agir de acordo com as regras impostas pelo cárcere. Estes são alguns dos efeitos mais visíveis da prisonização, que afeta, a seu modo, também os profissionais que trabalham nas prisões.

Por isso, os agentes e guardas penitenciários, segundo Scheliga (2000), Lobo (2005) e Vargas (2005), tendem a fazer certas concessões a alguns grupos, como o evangélico, e mesmo a certas facções criminosas, que, a seu modo, contribuem para assegurar a ordem interna dos presídios e também seus interesses. Não se trata de uma atitude exclusivamente utilitarista, mas constitui um recurso adotado num contexto que tende a constranger fortemente todos os seus integrantes.

O Presídio Central tem o dobro da população carcerária da Penitenciária Estadual do Jacuí, mas a população evangélica conhecida é bem maior nesta do que naquele. A expansão da presença pentecostal nas duas instituições ocorreu a partir da década de 90, concomitantemente a seu crescimento no conjunto da população. Formou-se, primeiramente, um grupo evangélico na PEJ que se tornou conhecido da população carcerária gaúcha.

No interior das prisões, conforme se observou durante a pesquisa, os evangélicos radicalizaram ainda mais sua identidade religiosa, adotando um cotidiano repleto de orações, cultos, pregações e leituras bíblicas. Assim, acentuaram o figurino rígido e estereotipado no modo de se vestir e no jeito de falar, visando a evocar e sustentar sua distintividade religiosa e a santidade pentecostal típica daquele que renasceu em Cristo. Retomaram, de forma ainda mais vigorosa, a identidade e os usos rigorosos e costumes ascéticos pentecostais. Contribui para tamanho rigorismo comportamental o fato de que são vigiados diuturnamente por seus pares religiosos e pelos demais presos, que tratam de cobrá-los por um comportamento coerente com os tradicionais estereótipos publicizados por sua religião no país.

Por meio da exigência de comportamentos ascéticos nas prisões, os pentecostais conseguem reforçar sua identidade distintiva, assegurar publicamente suas virtudes morais e, desta forma, reafirmar sua autoestima individual e grupal. Assim, não permitem o uso de bebidas alcoólicas e de quaisquer drogas, distanciam-se de atividades que consideram mundanas, tais como assistir a programas de televisão impróprios, usar roupas inadequadas; etc. Sua capacidade de comprovar a conversão e a santidade pessoal lhes permite angariar certo respeito pessoal e coletivo e até mesmo um determinado status em relação aos demais presos. Mas isso só é obtido mediante o comportamento ascético, que, por sua vez, é vigiado e cobrado incessantemente pelos detentos evangélicos, pelos presos não evangélicos e pelos funcionários do presídio. Dessa forma, sua identidade é reconhecida no universo das instituições prisionais, respaldada pelos códigos de honra da prisão, pela administração, pelo grupo religioso extramuros e pela parentela.

O desvio de tal conduta ascética pelo preso evangélico tende a ser punido, pois, tal como os códigos de honra dos integrantes de facções têm de ser respeitados, o mesmo ocorre com os códigos morais e religiosos evangélicos. A desobediência é punida, ainda que de forma mais branda, com a exclusão e expulsão do grupo religioso, conforme afirmaram os entrevistados e agentes e guardas penitenciários.

Os presos evangélicos tendem a atribuir seus desvios de conduta e atos infracionais, pelos quais foram parar na prisão, às forças do mal, ou ao demônio. Invariavelmente, citam passagens bíblicas para corroborar ou atestar a veracidade da ação e influência maligna. Seus problemas de consciência, em certa medida, encontram aí sua solução. A partir do momento em que conseguem transferir a responsabilidade pelas infrações cometidas aos demônios, libertam-se de concepções que os condenam por terem uma “índole”, uma “personalidade”, um “caráter” ou uma “inclinação” criminosos. Tornam-se, assim, livres para recomeçar sua jornada de vida sem terem de remoer eternamente a culpa por seus atos passados. Seus erros são atribuídos ao demônio e não a um desvio de caráter ou coisa assemelhada. Assim, desculpabilizam-se e são encarados por seus irmãos de fé como “um novo homem” renascido em Cristo. E podem orientar seu comportamento com base nas regras de seu grupo religioso, devendo, para tanto, adotar práticas ascéticas e puritanas e adquirir um habitus religioso.

Nas duas instituições prisionais identifiquei motivações para a conversão e a retomada da religião evangélica. Algumas dessas motivações já haviam sido apontadas por alguns pesquisadores, como a definição de fuga/esconderijo em Scheliga (2000), que se refere enfaticamente aos duque. No presente estudo, também verifiquei que os chamados duque buscam refúgio nos grupos evangélicos para tentar preservar sua integridade física.

A conversão enquanto refúgio está mais bem definida e caracterizada na realidade da PEJ, onde esses religiosos ficam em pavilhões exclusivos, fato que amplia o poder e a influência que os evangélicos e seus líderes exercem naquele complexo penitenciário. Os líderes evangélicos exercem com firmeza sua autoridade sobre seu rebanho, não admitindo desvios, o que respalda seu poder junto às lideranças de facções na prisão.

No Presídio Central, o fato de os presos evangélicos não estarem em pavilhões isolados impede que formem grupos capazes de assegurar proteção física a seus integrantes, incluindo os duque. Mas, mesmo no Presídio Central, constatou-se a existência de respeito da massa carcerária pelos presos evangélicos. Já os funcionários daquela instituição são mais céticos do que os da PEJ em relação à veracidade da conversão dos presos evangélicos. Tendem a considerá-la pouco confiável.

O trabalho proselitista na PEJ é mais bem-sucedido do que no Presídio Central, em função de que a Penitenciária do Jacuí possibilita sólida coesão grupal desses religiosos por meio de sua organização em galerias separadas, o que lhes permite constituir lideranças religiosas fortes e respeitadas dentro e fora de seu grupo. Funcionários evangélicos também contribuem para o evangelismo no interior das prisões. 

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Íntegra deste trabalho em PDF pode ser lida aqui: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3001

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