Publicado por Michelson Borges |
O livro da editora Garimpo é organizado em seis "rounds" e o debate segue educadamente, embora acabe, em minha opinião, sem um vencedor evidente. Hitchens começa por questionar a ideia de liberdade e livre-arbítrio pelo fato de Deus ser uma espécie de "big brother" atento a cada deslize humano (p. 12, 13). E cita Fulke Greville, para quem "fomos criados doentes", embora nos ordenem que sejamos saudáveis. Assim, Hitchens começa a pintar seu quadro de um deus exigente, vigilante e responsável pelo mal - embora requeira de nós o bem.
Na réplica, Wilson admite que Hitchens possui boa argumentação, mas, em seguida, questiona: "Em face do ateísmo, gostaria que ele [Hitchens] explicasse o porquê do uso da razão. Se Deus não existe, o que é a verdade? Christopher Hitchens manifesta uma enorme indignação moral, mas, em face do ateísmo, gostaria que ele explicasse o porquê de sua prosa vibrante e motivadora. Se Deus não existe, então proteste (p. 17).
Na página 23, Hitchens afirma que é possível encontrar "mais motivos de assombro e reverência num estudo do espaço ou de nosso DNA do que em qualquer livro escrito por um grupo de homens piedosos na era do mito". De fato, o espaço e as leis que regem o universo causam assombro, tanto que, ao pensar nisso, o maior ateu do século 20, Anthony Flew, acabou se convertendo a Deus. A complexidade do DNA igualmente assombra, e foi no estudo do genoma humano que o ex-ateu Francis Collins repensou suas convicções. Para o leitor atento, o livro da natureza traz a mesma mensagem da Revelação especial, a Bíblia Sagrada: "No princípio, criou Deus" (Gn 1:1).
Na mesma página 23, Hitchens deixa clara sua má compreensão do caráter de Deus: "É claro que não tenho condições de provar a inexistência de uma divindade que supervisiona e vigia cada momento da minha vida e irá me perseguir mesmo depois da morte. (Mas posso me alegrar com a falta de provas para uma ideia tão pavorosa...)." Se Hitchens tivesse estudado a Bíblia com atenção, descobriria que, para quem não quer saber da Vida, não haverá vida após a segunda morte. Deus não "persegue" e muito menos "perseguirá" ninguém, pois essas pessoas não mais existirão.
Wilson contrapõe com perguntas a tradicional alegação de que no Antigo Testamento Deus teria promovido genocídios e massacres, e que os que ensinam essas histórias para crianças foram "condenados pela História": "Por que deveríamos nos importar com os frágeis julgamentos da História? Deveriam os propagadores desses ‘horrores' ter se importado? Não há Deus, correto? Como não há Deus, isso significa - você sabe disso - que genocídios acontecem do mesmo jeito que terremotos e eclipses. Tudo é matéria em movimento, e essas coisas acontecem" (p. 27). E Wilson completa: "Diante de seu ateísmo, que explicação você pode dar que nos obrigue a respeitar o indivíduo? Como o seu individualismo flui das premissas do ateísmo? Por que alguém do mundo externo deveria respeitar os detalhes de sua vida e de seu pensamento mais do que respeita o movimento interno de qualquer outra reação química? Nossos pensamentos não passam disso, certo? Ou, se existe uma diferença, poderia você, a partir das premissas de seu ateísmo, fazer essa distinção? [...] A fé cristã é boa para a humanidade porque fornece o padrão fixo que o ateísmo não consegue fornecer e porque proporciona perdão dos pecados, algo que o ateísmo também não pode dar. Precisamos da direção de um padrão porque somos pecadores confusos. Precisamos do perdão porque somos pecadores culpados. O ateísmo não apenas conserva a culpa, mas também mantém a confusão" (p. 29, 35, 36).
A discussão segue a respeito da origem da moral. Hitchens afirma que a moral é "básica e inata" na humanidade. Wilson questiona, dizendo que, mesmo que fosse inata, a moral não seria digna de crédito, já que, para o pensamento ateu, somos fruto da evolução e, portanto, vivemos num universo em mudança. Então, nossa moral inata pode ter sido outra ou poderá ser outra. "Temos primos [evolutivos] distantes cujas mães comiam os filhotes. Isso lhes era inato? Será que eles se desenvolveram porque agir assim não era bom para eles? [...] Se o cristianismo é ruim para o mundo, os ateus não podem afirmar isso com coerência, pois lhes falta um critério fixo para definir o que é ruim" (p. 54).
Com respeito à "coexistência de Deus com o mal", apontada por Hitchens no quinto round, Wilson responde que prefere Deus mais o problema do mal em vez da ausência de Deus junto com um "Mal? Tudo bem!" (p. 63). Gostei dessa resposta simples porque mostra que, a despeito da relativa dificuldade de seu explicar a existência do mal num universo criado por um Deus todo-poderoso e todo-amoroso, é justamente o conceito de um Deus perfeito e bom que nos leva à indignação contra o mal (por contraste) e alimenta o desejo de buscar algo melhor e de esperar respostas desse Deus.
No sexto e último round, Wilson, como bom pastor, termina fazendo veemente apelo a Hitchens: "[O Senhor] estabeleceu um lar que, além de grande, é acolhedor; há bastante espaço para você. Nada que já tenha feito ou falado será usado contra você. Todas as coisas serão purificadas e perdoadas. Sobre a mesa há comida simples - pão e vinho. A porta está aberta, e vou deixar a luz acesa para você" (p. 77).
Que bom que Wilson concluiu assim o debate! Creio que seriam as mesmas palavras que eu gostaria de dizer com carinho e respeito a todo ateu sincero. Agora só me resta orar por Hitchens e outros que precisam conhecer o Deus verdadeiro e encontrar descanso nEle.
Meses depois de ler o livro O Cristianismo é Bom Para o Mundo?, lendo outro livro - Antropologia Cristã, de Valfredo Tepe (Vozes) -, me deparei com esta citação, na página 244, que me fez lembrar do debate entre Hitchens e Wilson: "Jürgen Habermas, o último dos grandes filósofos da escola de Frankfurt, fez recentemente um discurso que chamou atenção pela abertura positiva para a religião. Afirmou que não conhecia nenhuma alternativa para a herança da cultura ocidental que proveio da ética judaica da justiça e da ética cristã do amor. Dessa substância se alimentaram todas as ideias ‘de liberdade e convivência solidária, de conduta autônoma da vida, da moral de consciência individual, de direitos humanos e democracia'. Tudo o mais seria ‘conversa pós-moderna'."
Sobre o autor.
MICHELSON BORGES
Jornalista (formado pela UFSC) e editor da Casa Publicadora Brasileira. É autor dos livros Nos Bastidores da Mídia, Por Que Creio, A História da Vida, entre outros. Mestre em Teologia pelo Unasp, mantém o blog http://www.criacionismo.com.br/
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